Entrou em vigor a nova Lei de Falências (Lei nº 11.101/05, com alterações pela Lei nº 14.112/20). Com o objetivo de reduzir a burocracia e acelerar os processos de recuperação judicial no Brasil, o texto foi aprovado pelo Congresso em 25 de novembro e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em 24 de dezembro de 2020.
A lei é uma reformulação da antiga legislação para falências, vigente desde 2005. Entre as atualizações, está a extensão do prazo de pagamento das dívidas tributárias por parte dos devedores. Passa de 07 (sete) para 10 (dez) anos.
Os débitos trabalhistas agora podem ser quitados em até 03 (três) anos. Antes, o prazo de era de 01 (um) ano. Por último, o período para quitação de dívidas com a União foram ampliados de 84 para 120 parcelas.
Para o Juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Daniel Carnio Costa, a nova lei introduzirá a falência no rol de possibilidades para as empresas em crise que, muitas vezes, optam por simplesmente fechar as portas. “Não só a tentativa de manter em funcionamento, caso ela seja viável, mas também a regularização da sua situação”, declara o doutor em direto.
“A expectativa é que, com a nova lei, as empresas tenham mais acesso à reestruturação e também possam utilizar com mais vantagem o processo de falência”, completa Costa, que é professor de Direto Comercial da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Além da desburocratização, o juiz destacou o barateamento do processo promovido pela legislação. Cita os instrumentos de pré-insolvência, como a mediação e conciliação prévia, que são mais acessíveis aos devedores, principalmente pequenas e médias empresas. São realizados fora do âmbito da Justiça.
A legislação anterior desestimulava o “reempreendedorismo”, pois o devedor ficava preso por muitos anos no processo de recuperação judicial e desistia de projetos futuros. Já o novo texto possibilita ao empresário a reabilitação do empreendimento 03 (três) anos depois da quebra, desde que o patrimônio esteja à disposição dos credores, como já funcionava nos Estados Unidos.
Neste período, o passivo deixa de ser responsabilidade do devedor. Os três anos do processo são o suficiente para investigar o patrimônio arrecadado para o pagamento de credores na proporção possível.
CREDORES EM EVIDÊNCIA
A reformulação da Lei de Falências dá aos credores a possibilidade de desenharem um plano de recuperação próprio. O texto anterior, de 2005, não permitia. A medida funciona como uma alternativa caso o plano preparado pela empresa seja recusado.
O dispositivo facilitou também o processo de aprovação do plano de recuperação judicial. Agora, a assembleia dos credores pode ser realizada de modo virtual. Outra opção é a assinatura de um termo de adesão por parte dos credores.
O juiz perdeu poder. Atualmente, a jurisprudência permite a ele impedir a constrição de bens essenciais para o funcionamento de uma companhia. A nova lei, porém, diz que o magistrado tem competência para apenas determinar a substituição do bem que foi bloqueado para pagamento de dívida tributária.
MODERNIDADE
Ao abandonar uma legislação de quase 16 anos, o Brasil adota diretrizes para ampliar e modernizar o processo de falências, afirma o juiz Daniel Costa. A atualização era necessária pela evolução do mercado, que tornou a lei original defasada, diz.
O professor em direito diz que, à época da assinatura da Lei 11.101, o Brasil pensava que só empresas pediam recuperação judicial. Costa afirma que essa visão mudou a partir de 2014, quando conglomerados começaram a pedir a recuperação. Lembra os casos das empreiteiras Odebrecht e da OAS, alvos da Operação Lava Jato, deflagrada naquele ano.
Para ele, medidas como a criação do financiamento para empresas em processo de falência e o parcelamento de déficit tributário colocam o país em pé de igualdade com o sistema de falência de países desenvolvidos: “O Brasil fica em linha com o que há de mais moderno no mundo. Não só em relação aos Estados Unidos, mas também à Europa e à Ásia”.
O Brasil é o 48º país a regulamentar o processo de empresas que atuam em várias nações. “Tratamento mais efetivo e justo”, afirma o juiz.
AMPLIAÇÃO DO ESCOPO
O texto sancionado por Bolsonaro permitiu a produtores rurais a possibilidade de pedir falência. Também determina que o prazo de 180 dias para a venda dos ativos da empresa que pediu falência seja cumprido. A prorrogação por mais 6 meses será adotada somente se o credor não houver dado causa ao atraso. A jurisprudência adotada desde 2005 permitia o alongamento do processo.
A nova lei proíbe ainda a distribuição de lucros ou dividendos até a aprovação do plano de recuperação.
Se a falência for decretada antes da liberação de todo o dinheiro de financiamentos, o contrato será rescindido sem multas ou encargos. Esse financiamento poderá ser garantido com bens da empresa, como maquinários e prédios –outra novidade–, por meio de alienação fiduciária ou mesmo na forma de garantia secundária. Se houver sobra de dinheiro na venda do bem, ela será usada para pagar o financiador.
Ainda que credores recorram da autorização de financiamento e ganhem o recurso, os valores adiantados pelo financiador e as garantias ficam de fora do rateio da massa falida entre os demais credores, sendo pagos por fora.
TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA
A atualização da Lei de Falências cria ainda 2ª modalidade de parcelamento ao devedor. Este é feito em até 24 meses e inclui débitos anteriormente proibidos de parcelar, como aqueles de tributos com retenção na fonte ou de terceiros (imposto de renda do empregado, por exemplo) e o IOF. As micro e pequenas empresas contarão com prazos 20% maiores –cerca de 29 meses.
O relator incluiu ainda a previsão de uso da chamada transação tributária, prevista na Lei 13.988/20. Nessa modalidade, o governo ou o devedor propõe descontos para quitar a dívida. No texto do projeto, o prazo máximo de quitação será de 120 meses.
Para pessoas físicas, micro e pequenas empresas, o prazo pode chegar a 145 meses e o desconto máximo a 70% do devido. Se a empresa desenvolve projetos sociais, o prazo pode ser aumentado em 12 meses, nos termos do regulamento da lei.
Nessa transação, o devedor também terá de fornecer à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional informações bancárias e empresariais e manter regularidade fiscal.
O texto permite aos devedores em recuperação judicial pedir a repactuação de acordo desse tipo já firmado. O prazo para o pedido será de 60 dias da publicação da futura lei.
Outra novidade advém da possibilidade de o fisco pedir falência de empresas em recuperação judicial caso haja descumprimento de parcelamento fiscal ou acordo, situação que deixam os contribuintes ainda mais apreensivos com as providências que poderão ser tomadas em esferas federal, estadual e municipal.
O poder do Fisco também se estende a casos de esvaziamento patrimonial, que é uma estratégia adotada para evitar ou postergar o pagamento de dívidas tributárias.
OBTENÇÃO DE EMPRÉSTIMO
Dentre as novidades está a possibilidade de concessão de empréstimos para o empresário durante a recuperação judicial. Trata-se de um empréstimo de risco, voltado para empresas em crise que podem ser salvas de falência.
O empréstimo depende de autorização judicial e poderá ter como garantia bens pessoais do dono da empresa.
DERRUBADA DO USO DE PREJUÍZO FISCAL
O projeto de lei que foi aprovado pelo Congresso previa, por exemplo, a inclusão do artigo 50-A na Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005). Esse dispositivo aliviaria a tributação sobre o perdão da dívida de credores particulares.
As empresas em recuperação, nas negociações com os seus credores, geralmente obtêm descontos generosos. Nesses casos, se a dívida original era de R$ 1 milhão e, com o desconto, ficou em R$ 600 mil, por exemplo, a companhia é obrigada a tributar a diferença, de R$ 400 mil. Isso ocorre porque o valor referente ao perdão da dívida tem de ser contabilizado como receita.
O texto aprovado, nessas situações, liberava as empresas do pagamento de PIS e Cofins e permitia o uso de prejuízo fiscal para pagar o Imposto de Renda (IR) e a CSLL. Hoje, as empresas até podem utilizar o prejuízo fiscal, mas só até 30% do valor do débito.
Um outro artigo, o 6-B, também permitia o uso de prejuízo fiscal – sem qualquer limitação de valores – para pagar a tributação que incide sobre os ganhos que as empresas em recuperação têm com a venda de bens e direitos. Com o veto do presidente, as companhias, pela regra atual, continuarão tendo que respeitar o limite de 30% ao usar o prejuízo fiscal.
“Essas medidas aliviariam muito. As empresas nessa situação, que são deficitárias, acabam acumulando um caminhão de prejuízo fiscal. O saldo é muito relevante. Por isso, os vetos a esses dispositivos acabaram provocando uma frustração geral”, diz Luis Henrique Costa, sócio da área tributária do BMA Advogados.
A Presidência da República, ao justificar os vetos, afirmou que as medidas acarretariam renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que estivesse acompanhada de estimativa de impacto orçamentário e financeiro. Essa situação, informou em nota direcionada ao Congresso, violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal.
TRIBUTAÇÃO PELO PIS/COFINS
Sobre PIS e Cofins, que, pelo projeto de lei, deixariam de ser cobrados sobre o perdão da dívida, advogados dizem que é preciso separar as coisas. “Receita contábil se distingue de receita tributável. O Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre isso”, afirma Mattheus Montenegro.
O advogado diz que “receita tributável”, sob o prisma constitucional, representa o ingresso financeiro que se integra ao patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições – o que não ocorre com a dívida perdoada. Sem que se verifique essa receita tributável, complementa, não cabe cogitar eventual renúncia por parte da União.