NotíciasNotícias Cíveis e ConsumidorNotícias TributáriasDECISÃO DO SUPREMO EXIGE CERTIDÃO FISCAL DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO

14/09/2020

A dispensa da CND é prática recorrente entre os Juízos Universais, o qual afastam a aplicabilidade das normas contidas nos artigos 57, da lei 11.101/05, e 191-A, do Código Tributário Nacional. A exigência legal, portanto, é comumente afastada sob o argumento de que tal exigência contraria a finalidade precípua da recuperação judicial que é o de soerguimento da empresa em crise, bem como fere o princípio da preservação da empresa.

Todavia, o ministro Luiz Fux deferiu uma liminar favorável à União e afastou uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que retirou a necessidade de Certidão Negativa de Débitos (CND) para homologação de planos de recuperação judicial. Tal entendimento contraria jurisprudência e cria óbice que pode esvaziar completamente o uso do instituto, mesmo existindo opções de parcelamento dos débitos tributários.

Para o Ministro, os efeitos da decisão do STJ no REsp 1.864.625 devem ser suspensos até o julgamento do mérito do recurso da União pelo Supremo. Assim, prevalece a necessidade de a empresa provar, via CND, que quitou as dívidas tributárias ou aderiu a algum tipo de parcelamento para conseguir o reconhecimento do plano de recuperação judicial. A liminar na RCL 43169 foi deferida na noite de do dia 8 e foi publicada nesta quarta-feira (09/09/20).

Neste sentido é que a União Federal, nos autos da mencionada reclamação proposta perante ao STF, argumentou o seu pedido liminar. Baseando-se no princípio da proporcionalidade, o ministro Luiz Fux em decisão monocrática entendeu que “A exigência de Certidão de Regularidade Fiscal para a homologação do plano de recuperação judicial faz parte de um sistema que impõe ao devedor, para além da negociação com credores privados, a regularização de sua situação fiscal, por meio do parcelamento de seus débitos junto ao Fisco. Consectariamente, a não regularização preconizada pelo legislador possibilita a continuidade dos executivos fiscais movidos pela Fazenda (art. 6º, § 7º da lei 11.101/05), o que, em última instância, pode resultar na constrição de bens que tenham sido objeto do Plano de Recuperação Judicial, situação que não se afigura desejável.”

O STJ, por sua vez, vem construindo jurisprudência desfavorável à Fazenda Nacional ao entender que a certidão de regularidade fiscal não é essencial para homologação dos planos de recuperação judicial. Por isso, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) entrou com uma reclamação no STF por entender que a decisão do STJ está em desacordo com a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005) e o Código Tributário Nacional (CTN), que exigem que a empresa que pede recuperação judicial se regularize com o fisco por meio de pagamento ou parcelamento dos débitos.

Para a PGFN, ao não aplicar a Lei de Recuperação Judicial e Falências e o CTN, o STJ teria declarado a inconstitucionalidade dos dispositivos, o que não poderia ser feito em uma turma de julgamento, mas sim, pela Corte Especial do próprio STJ. Segundo a PGFN, empresas devedoras em recuperação judicial mantém passivo tributário superior a R$ 40 milhões.

“O procedimento da reclamação é para o STJ explicar para o Supremo porque ele está decidindo dessa forma. O nosso pedido na reclamação é para que o STJ aplique a lei exigindo a CND ou a inconstitucionalidade”, explica Paulo Mendes, coordenador da atuação judicial da PGFN perante o STF. “O interessante é que a decisão do Fux diz expressamente que, enquanto estiver tramitando a reclamação, aplique a lei”, complementa.

Ao conceder a liminar, o ministro Fux acolheu o argumento da PGFN e entendeu que o STJ deve seguir o disposto na legislação vigente. “Os fundamentos para o afastamento da exigência já foram mencionados alhures e remontam a um juízo de proporcionalidade realizado pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesses termos, não se mostra a aderência necessária da decisão agravada ao precedente da Corte Especial de maneira a atender à cláusula da reserva de plenário”.

Fux também entrou no mérito e destacou que “a aplicação dos dispositivos legais seria elemento relevante para que o devedor fosse incentivado a abrir procedimento de negociações com o Fisco para a equalização da dívida”.

O ministro Fux, ao entrar no mérito, diz que, ao suspender os dispositivos [do CTN e da Lei de Recuperação Judicial e Falências] vários contribuintes com dívidas milionárias com os Fiscos poderiam seguir o plano de recuperação sem incentivo a abrir procedimentos de negociações com o Fisco para a equalização da dívida, inclusive com instrumentos de vanguarda modernos à disposição, como a transação tributária.” explica o tributarista Eduardo Muniz Cavalcanti.

Os efeitos da decisão do STF são restritos à empresa que é parte no processo. No entanto, o ministro Luiz Fux acena para a necessidade de aplicação do CTN e da Lei de Recuperação Judicial no que diz respeito à prova de quitação dos tributos.

Sem dúvida a decisão proferida pelo STF coloca em risco milhares de processos de recuperação judicial face a busca das Fazendas Públicas em saldarem os débitos tributários e regularizarem a situação fiscal das empresas em dificuldade.

Proporcionalidade

Diferentemente do que decidido pelo Ministro Fux, a ministra Nancy Andrighi (do STJ), depreende-se dos artigos 57 e 58 da LRF que a apresentação das certidões negativas de débitos tributários constitui requisito elencado pelo legislador para a concessão da recuperação do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção ou tenha sido aprovado pela assembleia de credores. Ela ressaltou que essa exigência é reforçada pelo artigo 191-A do CTN, que condiciona a concessão da recuperação à prova da quitação de todos os tributos.

Para a ministra, a demonstração da regularidade fiscal do devedor deve ser compatível com os princípios e objetivos que estruturam a operacionalização da Lei 11.101/2005, em especial o postulado constitucional da proporcionalidade.

A relatora lembrou que esse princípio exige que a medida restritiva de direitos seja adequada ao objetivo perseguido pela norma, além de necessária para garantir a efetividade do direito tutelado e que guarde equilíbrio com os fins almejados (proporcionalidade em sentido estrito).

“A exigência legal não se mostra adequada para o fim por ela perseguido – garantir o adimplemento do crédito tributário –, tampouco afigura-se necessária para a obtenção desse resultado“, afirmou.

Finalidade da norma

De acordo com a relatora, caso se entenda que a ausência das certidões de regularidade fiscal do devedor impede a concessão do benefício recuperatório, sua não apresentação teria como consequência a decretação da falência da sociedade empresária, o que dificultaria o recebimento do crédito tributário, uma vez que ele está classificado em terceiro lugar na ordem de preferência (artigo 83, III, da LFR).

Para Nancy Andrighi, a exigência das certidões é inadequada para atingir a finalidade pretendida pela norma, pois, no atual sistema de recuperação de empresas, a Fazenda Pública não fica desprovida dos meios próprios para a cobrança dos créditos de sua titularidade. As execuções de natureza fiscal – esclareceu – não são suspensas pelo deferimento da recuperação, devendo seguir seu curso natural.

“Na tentativa de realizar a finalidade sobrejacente à regra em questão (garantir a arrecadação fiscal), portanto, acaba-se por obstruir indevidamente os fins almejados pelo princípio da preservação da empresa (corolário da função social da propriedade e fundamento da recuperação judicial) e os objetivos maiores do instituto recuperatório – viabilização da superação da crise, manutenção da fonte produtora e dos empregos dos trabalhadores“, afirmou.

A ministra lembrou que, no julgamento do REsp 1.187.404, o STJ reconheceu que “a interpretação literal do artigo 57 da LRF e do artigo 191-A do CTN inviabiliza toda e qualquer recuperação judicial, e conduz ao sepultamento por completo do novo instituto”.

Agora cabe aguardar a decisão de mérito a ser proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

SOBRE NÓS

© 2020 Copyright SB&A – Todos os direitos reservados